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RECURSOS NATURAIS, SEGURANÇA ALIMENTAR E SOBERANIA NACIONAL

04/11/2020

por Luís Carlos Heinze, engenheiro agrônomo, produtor rural, senador da República

Vivemos tempos singulares, em que se conjugam a premência por transformações profundas nos modelos de desenvolvimento e produção de riqueza, com as incertezas geradas pela pandemia global e, também, pelas mudanças climáticas, sejam elas temporárias ou definitivas, antrópicas ou espontâneas.

Em relação aos recursos naturais, não se trata, simplesmente, de preservar ou, alternativamente, explorar. A emergência do moderno conceito de desenvolvimento sustentável aponta para a superação dessa falsa antinomia, ao valorizar o compromisso ético com as novas gerações e, ao mesmo tempo, reconhecer o direito das atuais populações aos benefícios provindos da ciência, da tecnologia e da geração de emprego e renda.

Alguns dos diversos desafios que ainda cerceiam o desenvolvimento humano estão ligados aos fortes desequilíbrios que ocorrem no concerto das nações. Vejam, que o Brasil tornou-se alvo de uma maciça campanha internacional com o objetivo de abalar a imagem do país e represar nosso desenvolvimento social e econômico.

Um princípio importante consagrado pela Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, vigente no ordenamento jurídico pátrio desde a promulgação do Decreto nº 2.652, de 1º de julho de 1998, foi o “princípio das responsabilidades comuns, mas diferenciadas”, segundo o qual os signatários devem proteger o sistema climático em benefício das gerações presentes e futuras, com base na equidade e em conformidade com suas respectivas capacidades.

De acordo com o Global Carbon Atlas, Europa e Estados Unidos emitem 25 vezes mais carbono que o Brasil. Ora, isso significa que os países desenvolvidos, os iniciadores históricos e majoritários das emissões de carbono, devem tomar a iniciativa no combate à mudança do clima e seus efeitos, considerando sempre as especificidades dos países em desenvolvimento.

Contudo, ao invés disso, não cessam de nos pressionar, por meio de vários mecanismos, muitos deles verdadeiramente ardilosos. Em realidade, paira sobre nós uma grave ameaça, capaz de abalar a soberania brasileira sobre os sistemas de produção agropecuária e, na esteira, toda a economia nacional.

As constantes ameaças em relação ao chamado “Fundo Amazônia”, por exemplo, dão bem a dimensão dos problemas que nos impõem. Quero lembrar que o artigo 5º do Acordo de Paris, firmado em 2016, trata das florestas e estipula, “inclusive por meio de pagamentos por resultados, o apoio para políticas e incentivos positivos para atividades relacionadas à redução de emissões por desmatamento e degradação florestal nos países em desenvolvimento”. Não se trata, portanto, de um favor, uma esmola misericordiosa com que nos afagam países como Noruega e Alemanha.

Boa parte dos países do mundo erigiu planos de recuperação econômica e social projetando-os para o período pós-pandêmico. Uma fonte de preocupação constante tem sido a segurança alimentar de um número ainda não estabelecido de pessoas, em praticamente todos os continentes. O rico hemisfério Norte, por suas características de clima, não estará imune a essa nova realidade. Estima-se que a demanda por alimentos se intensificará, o que possivelmente resultará no incremento das nossas exportações.

Neste cenário é que cabe reafirmar a verdadeira situação do Brasil — e desarticular a rede de intrigas em que procuram nos envolver.

Em primeiro lugar, somos signatários de acordos internacionais, no âmbito da ONU, quanto a metas de redução e emissão de gases que promovem o efeito estufa. Vimos, nos últimos anos, implementando programas de agricultura de baixo carbono, inclusive no bioma do Pantanal, com a valiosa ajuda da Embrapa. Contamos, ainda, com sistemas de integração lavoura-pecuária e, também, florestas-lavouras-pecuária, de forma integrada, em rodízio, diversificando a produção, preservando os solos, com o objetivo de aumentar a eficiência na utilização dos recursos naturais. Desse modo, com respeito ao meio ambiente, pode-se estabilizar a produção e gerar alternativas de renda para o produtor.

Avançamos, ainda quanto ao plantio de florestas, a partir do Plano Nacional de Desenvolvimento de Florestas Plantadas, de 2018 – são 10 milhões de hectares, de acordo com o IBGE. O Brasil lidera o ranking global de produtividade florestal, com uma média de 35,7 m³/ha/ano para os plantios de eucalipto e 30,5 m³/ha/ano nos plantios de pinus – Indústria Brasileira de Árvores, 2016. O plantio de florestas com espécies nativas é um subsetor capaz de, por meio do manejo técnico e consciente, expandir o potencial econômico de produtos madeireiros e não-madeireiros, ao tempo em que valoriza a biodiversidade e contribui para mitigar os desafios climáticos.

Na mesma linha, dentro de sistemas silvipastoris ou agrosilvipastoris, a Embrapa trabalhou no desenvolvimento da chamada “carne carbono neutro”, certificada e auditável, que já tem grande aceitação nos mais exigentes mercados mundiais.

Nosso país, tão criticado no exterior – e a partir do exterior – tem alcançado relevante posição na venda de Títulos Verdes (“Green Bonds”), que, por sinal, já se encontram regulamentados pelo Decreto nº 8.874, desde 2016, e que passou a distinguir e abranger projetos na área de energia sustentável a partir do recente Decreto nº 10.387/2020. Muitos dos críticos de nossa política ambiental são, justamente, os compradores desses títulos na esfera internacional.

Há muito tempo somos uma potência planetária no setor agropecuário. Uma significativa porcentagem da população mundial é alimentada pela produção de nossos campos. Esse território, essa produção, é objeto de intriga e de cobiça. Os protecionismos, incluindo os de vertente fitossanitárias, assim como as pressões extremadas pela incolumidade de nossos biomas, constituem duas facetas de uma mesma estratégia para obstruir ou mesmo ocupar o nosso espaço nos mercados globais. Sejamos serenos sempre, ingênuos nunca!

 

Fonte: Estadão, ed. de 17 de outubro de 2020 | 06h30